quinta-feira, 9 de abril de 2009



Andando a Esmo ( crônica de João Emanuel Carneiro )

Assim como Paris, Nova York, Roma ou Veneza, o Rio é uma cidade para andar a pé. O espírito carioca tem muito a ver com a idéia de se deixar vagar pelas ruas sem objetivo definido. Numa saída de casa para comprar o jornal, cruzamos com um amigo, terminamos a tarde num bar, onde se encontra outro amigo que nos chama para um chorinho na Lapa... O fim desse périplo é uma noitada espetacular. Volta-se pra casa de madrugada, com o jornal debaixo do braço.


Da boemia da Lapa de Mário Lago à Ipanema bossa-novista de Tom e Vinicius, pode-se dizer que o imaginário carioca está impregnado daquilo que os franceses chamam de flânerie. Não é que o flâneur seja um sujeito que veio à vida a passeio. Ele é o caminhante, o passeante, o transeunte despreocupado, cuja andança não tem meta. Em suma, ele é aquele que sabe se deixar levar, numa espécie de saudável vagabundagem.

Muitas vezes, o resultado dessas andanças é a compra de coisas absolutamente inúteis, como um absurdo guarda-chuva vermelho ou um hediondo narguilé de um camelô com quem você teve uma conversa engraçada. Outras vezes, dá-se com os costados em lugares insólitos, como o primeiro e último templo positivista do mundo – um decrépito edifício na Rua Benjamin Constant, na Glória, onde uma vez minhas peregrinações por esta cidade me levaram.

Me vêm à cabeça os versos de Antonio Maria: "Calçada cheia de gente a passar e a me ver passar". Lembro-me de ter visto diversas vezes o poeta Carlos Drummond de Andrade seguindo pela calçada da Visconde de Pirajá. E de Nelson Rodrigues, que uma vez vi saindo de uma loja na Barata Ribeiro. E do ator Nelson Dantas, um flâneur por excelência, que sempre vejo em trânsito por Ipanema, Copacabana, Botafogo...

Ainda conservo o hábito de caminhar longas distâncias pela cidade. Se vou do Leblon a Copacabana, muitas vezes prefiro ir a pé a apanhar uma condução. Pode-se argumentar que seria muito mais rápido e seguro pegar um táxi, mas eu não troco meu passeio por uma corrida de táxi num trânsito engarrafado. Parece até pecado perder duas horas de um dia de semana num passeio "inútil". Hoje, tempo é dinheiro. Não temos mais o direito de jogá-lo fora. Qualquer saída furtiva precisa ter objetivo definido. Até porque agora somos imediatamente localizáveis. Não dá mais pra dizer pra mulher que você vai sair pra comprar cigarros e nunca mais voltar. Não adianta, ela vai ligar pro celular.

A mania do automóvel também vai contra a idéia do flâneur. Afinal, ninguém sai de carro pra ficar "andando por aí". É preciso um compromisso definido para tirar o carro da garagem. E, depois, há de arrumar uma vaga, pagar o flanelinha, tomar uma série de providências desagradáveis que desencorajam qualquer investida fora de casa.

Segue aqui um apelo a nossos governantes: por que não fechar algumas ruas apenas para pedestres, como a Dias Ferreira, no Leblon? Seria um incentivo ao turismo. Afinal, o turista é por natureza um sujeito a pé. E por que não construir passarelas sobre as avenidas intransponíveis que se multiplicam pela cidade? É preciso esquecer esse modelo los-angelino de cidade automobilística, que não tem nada a ver conosco. Nós, cariocas, somos por excelência democraticamente caminhantes. Lembrem-se de nós, andarilhos, autoridades.

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